quarta-feira, 2 de abril de 2008

Senhoras e Senhores, Raúl Brandão

"Quiseste fazer rir e agora fazes rir. Viveste de sonho, tentas voltar à realidade - e a realidade atira-te para o sonho. Se abres a boca para falar de amor, todos desatam a rir. A realidade vinga-se. A realidade não cria palhaços como tu, a realidade cria homens, e os que se esquecem de viver não devem acusar a vida. Tens de ser palhaço até à morte. É inútil quereres voltar para trás, e para cada grito de dor que soltes conta com uma risada de escárnio. Fizeste da vida artifício, para representares as tuas farsas, e agora teimas em recomeçá-la? ...Palhaço!, palhaço!... Davas tudo para não sonhares - para viveres - e a realidade obriga-te a caminhar até ao fim. Palhaço!, palhaço!... Talvez todos os homens, num dado momento da vida, perguntem a si próprios, numa angústia: - errei a vida?, o meu amor foi o verdadeiro amor?, o sonho que sonhei o melhor sonho? Felizes os palhaços que são palhaços até à última hora com a mesma convicção - e que não sentem este desespero e este fel. Palhaço!, palhaço!, a tua vida foi um sonho - agora sonha! Quem se habituou a sonhar tem de sonhar sempre, de se fechar por dentro com o seu sonho, para fugir à realidade. Agora só te resta fazer do sonho e da morte um sonho maior e mais belo."

A Morte do Palhaço e o Mistério da Árvore


Raúl Brandão

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